A comunidade quilombola do Quingoma, situada em Lauro de Freitas, realizou no último domingo (24), a festa de São José, santo católico padroeiro da comunidade. A celebração faz parte do calendário de eventos da cidade e contou com a poio da SECULT e do Conselho Municipal de Política Cultural.
Do ponto de vista da riqueza cultural, da capacidade de produção e das legitimidades dos que construíram e participaram da festa, podemos afirmar que nada é tão preciso e sublime quanto.
As crianças corriam de um lado para outro, com os pés no chão, em contato direto com terra. Livres, donas do seu espaço ancestral, celebravam a vida e a liberdade, sem vidros blindados, sem seguranças armados. Sem medos, pois as poderosas rainhas de rosto castigados pelo trabalho duro, estavam bem ali do lado, atentas a tudo e conduzindo a festa.
Reijane, a líder quilombola chama a todos e todas para o barracão. Homens e adolescentes posicionam-se atrás dos atabaques. O som que brota dos instrumentos em sintonia perfeita com as vozes que respondem a poesia proferida pela líder enche o ambiente de uma energia indescritível.
Nesse momento tudo se conecta. Os passos cadenciados do samba nos pés das anciãs, dialoga em harmonia com o balançar das folhas e galhos das árvores que bailam com a brisa leve que enche o barracão. O suor que escorre dos rostos sorridentes das negras adolescentes e dos braços fortes dos tocadores, pingam e inundam de esperança um território castigado pelo racismo, mas com um povo convicto de sua plenitude.
A líder quilombola não se conteve ao ver a matriarca entrar na roda de samba, com passos curtos e firmes, apoiada numa bengala de madeira. As lágrimas que lhe escorreram o rosto, continham o peso de um continente. Trazia em cada partícula uma memória, uma dor, uma lembrança, mas acima de tudo o compromisso de não desistir e horar a luta daquelas que viverem períodos tão horrendos, quanto os atuais.
A luta é uma constante na vida dos descendentes de Africanos no Brasil. Os desafios na comunidade quilombola do Quingoma vão desde o atraso de mais de mais de três horas do som da festa, até a passagem de uma rodovia, autorizada pelo governo do Estado, que rasgou a comunidade no meio, com a anuência e passividade do governo local.
Mas as crianças e adolescentes do Quingoma vão crescer e junto com eles a vontade de tirar a comunidade do ostracismo e do esquecimento. Eles vão exigir respeito e participação social. Vão querer pautar a cidade também. Pois cada pedaço de chão, cada toco fincado é um pedaço de cada homem, mulher e criança quilombola que ajudou a construir essa cidade.
Por: Ricardo Andrade